Território translúcido
12 Março a 28 Maio 2022
Galeria das Salgadeiras
Lisboa
Photos by Bruno Lopes
Na “República” de Platão diz-se a determinada altura: “seria capaz de olhar para o Sol e de o contemplar, não já a sua imagem na água ou em qualquer sítio, mas ele mesmo, no seu lugar”, e esse parece ser o desígnio deste projecto de Rui Horta Pereira, um ensaio sobre a translucidez. Escultor de formação, esta não é, aliás, a primeira vez que no seu percurso artístico a luz é abordada enquanto assunto e matéria, já havia sucedido com as diferentes séries do «Sol» [2020, 2018, 2013], as monotipias de «A penumbra golpeada de luz» [2020], ou as esculturas da série «Opaco» [2018].
Perscrutando estas obras que Rui Horta Pereira apresenta em «Território translúcido» poderemos encontrar três eixos que reflectem o pensamento artístico e filosófico subjacente: o significado etimológico de translúcido como aquilo que está “para além da luz”; a luz enquanto metáfora da sabedoria; o fenómeno físico que relaciona a luz com a matéria de um corpo, de como esta se comporta face a um objecto. Tudo começa com uma matriz de acetato na qual, espontaneamente, são inscritos gestos feitos com silicone, enunciando essa acção simbólica de “marcar uma falsa terra”. Surgem símbolos cujo significado só se revelará à posteriori, precisamente quando a luz vier a projectar a “imagem original” quer seja no papel ou na resina. A grafite se constroem e percorrem os caminhos de uma jornada peripatética que Rui Horta Pereira nos sugere com estes seus desenhos de larga escala, numa ampliação radical da “imagem original”. À escala real, a mesma imagem é transferida e marcada numa espécie de selos assírios, cuja visão da narrativa é sempre parcial e repetível. Enquanto dispositivo de apresentação, «Território translúcido» propõe-nos, ainda, um jogo que nos interpela sobre o lugar do desenho e da escultura.
Voltamos à Grécia Antiga. Como que caminhando ao ar livre, ouvindo os ensinamentos de Aristóteles, uma luz reflete uma imagem que se transforma numa outra realidade. Afinal, há quem (ainda assim) prefira ver o real que uma sombra que o espaço projecte.
Ana Matos
Março de 2022