Passarola
Curadoria Ana Matos
15 junho a Dezembro 2022
Azinhaga
«VAMOS CONSTRUIR UMA PASSAROLA»
«Este âmbar, também chamado electro, atrai o éter, andarás sempre com ele por onde andarem pessoas, em procissões, em autos-de-fé, aqui nas obras, do convento e quando vires que a nuvem vai sair de dentro delas, está sempre a suceder, aproximas o frasco aberto, e a vontade entrará nele, E quando estiver cheio, Tem uma vontade dentro, já está cheio, mas esse é o indecifrável mistério das vontades, onde couber uma, cabem milhões, o um é igual ao infinito, E que faremos entretanto, perguntou Baltasar, Vou para Coimbra, de lá, a seu tempo, mandarei recado, então irão os dois para Lisboa,tu construirás a máquina, tu recolherás as vontades, encontrar-nos-emos os trêsquando chegar o dia de voar,» — Memorial do Convento, José Saramago
Publicado em 1982, “Memorial do Convento” de José Saramago fala-nos do “sacrifício dos milhares de homens que trabalharam na construção de monumentos à vaidade de um rei” que por promessa fez levantar o convento de Mafra. Trouxe-nos também Blimunda, Baltazar e Bartolomeu Lourenço, essa mágica trindade que um dia sonhou construir uma máquina capaz de voar, semelhante a uma ave, que levantaria voo com as vontades recolhidas por Blimunda. Uma passarola metáfora do sonho.
“Vamos construir uma pasarola” é uma iniciativa da Fundação José Saramago onde se convidam as gentes da Azinhaga e quem a aldeia visite a participar na construção desta escultura efémera e colectiva. Tendo como matéria-prima dez paletes de madeira, recuperadas do comércio local, e a partir de um desenho do próprio José Saramago, a passarola foi projectada e concebida pelo artista Rui Horta Pereira, que esteve em residência artística na Azinhaga. De pé de cabra e aparafusadora em punho, dia-a-dia a passarola foi ganhando forma, ora o seu expressivo bico, o seu adornado gargalo ou as suas delicadas asas, num processo de descoberta e de invenção desta máquina, aquela a que Eduardo Lourenço se referia como aquilo que “voa para o passado como voa para o futuro”.
Instalada que está no Jardim das Divisões, irá acolher as vontades, as memórias, as partilhas de quem por aqui passe. Pode ser o que se queira, estamos afinal no território da imaginação e da criatividade, apenas gostaríamos que fosse construído usando materiais reciclados e reutilizados. Blimunda por aqui andará a recolher estas vontades ainda que esta passarola não venha a subir “para as estrelas” se à terra pertencia.
Juntos daremos expressão a esta passarola. Juntos conjugaremos o verbo blimundar que, apesar de (ainda) não estar inscrito no Dicionário, já se conjuga por quem acredita que são “os sonhos que seguram o mundo na sua órbita”.
Ana Matos
Curadora da Fundação José Saramago
Azinhaga, 18 de junho de 2022
“Vamos construir uma passarola” está integrado no Programa Tripartido Fundação José Saramago, Câmara Municipal da Golegã e Junta de Freguesia de Azinhaga para o Centenário de Nascimento de José Saramago.
Agradecemos muito especialmente à Agromartinho, da Golegã, pela cedência das paletes de madeira, e à Junta de Freguesia de Azinhaga, ao seu presidente e a toda a sua equipa.