…nem acaba nem começa
Curadoria Rui Soares Costa
21 Outubro a 21 Dezembro 2022
Espaço Taj
Lisboa
Acima dos oito mil metros
Ou a liminar idade do pico mais alto: E agora? Para onde vamos agora?
Part I
Grandes coisas são feitas quando homens e montanhas se encontram.
William Blake
No mundo da alta montanha e da escalada sempre que os montanhistas ultrapassam os oito mil metros entram naquilo que se convencionou chamar de “zona da morte”. Aqui, o ar rarefeito carece de oxigénio suficiente para manter a maior parte da vida. Os humanos, por exemplo, só conseguem sobreviver nestas condições durante algumas horas. A falta de oxigénio reflete-se na respiração acelerada, sendo que todo e qualquer esforço parece estar para além das capacidades dos melhores e mais bem treinados atletas de elite. Ainda para mais, os “verdadeiros” montanhistas procuram escalar os eight-thousanders (o nome dado aos quatorze picos que se elevam no planeta acima de oito mil metros) sem o auxílio de oxigénio engarrafado ou artificial.
Uma pessoa prepara-se e treina durante semanas, meses, anos antes de tentar tal feito. Muito poucos conseguem (e.g., apenas dezanove pessoas escalaram o conjunto dos quatorze picos acima de oito mil metros sem oxigénio suplementar). Ler sobre montanhistas e montanhas é uma aprendizagem fascinante muito além das montanhas e dos homens. Uma das principais lições, talvez a mais importante, é que depois de chegar ao cume é fundamental descer o mais rápido possível. Uma vez mais, acima de oito mil metros sem oxigénio suplementar qualquer pessoa morrerá, é apenas uma questão de tempo. O processo já se iniciou, há que descer abaixo dos oito mil metros antes que o tempo termine.
Uma pessoa prepara-se durante anos, dedica a sua vida a um cume (ou vários) e assim que o atinge tem que descer o mais depressa possível. Não pode simplesmente sentar-se, relaxar um pouco e apreciar a vista enquanto se protege do sol intenso? Talvez um cigarro, um uísque? Não, há que descer e já.
A humanidade está hoje numa situação semelhante. A maneira como nos temos relacionado com o mundo que nos rodeia nos últimos séculos conduziu-nos a um pico – um pico lindo e hipnotizante. Enquanto colectivo alcançámos feitos impressionantes nos mais variados domínios, é maravilhoso testemunhar o poder do conhecimento e do desenvolvimento. Apesar de ainda estarmos dramaticamente atrasados em vários aspectos-chave enquanto colectivo ou comunidade, desde a fome global às drásticas assimetrias económicas, à falta de liberdade ou independência política. Ainda assim, a humanidade percorreu um longo caminho. Mas não podemos continuar como se nada fosse – business as usual. Estamos acima dos oito mil metros e precisamos descer. Precisamos voltar rapidamente para onde a vida recupera a sustentabilidade.
A obra de Rui Horta Pereira em “…nem acaba nem começa” convida-nos a sentar e a relaxar, a contemplar as vistas enquanto nos protegemos do sol forte que faz lá fora… Talvez pensar um pouco sobre tudo isto. Espera, talvez não… As cadeiras são feitas de anzóis e os chapéus podem ser ratazanas. E aqueles tipos, o que é que estão a fazer a olhar para nós?
“You talkin’ to me?” Epá, não, é uma armadilha. O canto de uma sirene? F*da-se, vamos embora. Precisamos sair daqui.
É então que acordas e percebes: aqui é o mundo inteiro.
Rui Soares Costa
Lisboa, Outubro 2022