Mergulho, 7 junho a 28 julho 2018
Galeria das Salgadeiras
Dizia Fernão Mendes Pinto, numa das suas cartas incluídas em “Peregrinação”, quando contava ao Reitor do Colégio de Goa as aventuras dos portugueses pelas terras do Japão, “pois que para escrever tudo era necessário que o mar fosse tinta e o céu papel”. Perdoemos-lhe alguma efabulação excessiva e, quiçá, pouco própria do rigor da História, e centremo-nos, porém, na metáfora e no simbolismo destas palavras que assumem uma outra leitura quando contextualizadas nesta exposição de Rui Horta Pereira. A “Peregrinação” esteve durante séculos reduzido ao esquecimento e a abordagem do cronista foi por demasiado tempo descredibilizada. Quem não se lembra do “Fernão, Mentes? Minto!”. Porém, entenda-se que a referência aqui feita à “Peregrinação” cirscunscreve-se ao seu contexto autoral e subjectivo, e não ao seu valor histórico. Interessou-me, para a leitura deste “Mergulho” de Rui Horta Pereira, as estórias, ao invés da História, a coragem e o carácter destemido da aventura e de como mergulhamos no desconhecido para o revelarmos ao mundo e lhe darmos outra existência. Alvíssaras pelas ilhas agora conhecidas.
Há um lado documental nos desenhos que Rui Horta Pereira apresenta nesta exposição, sedimentos de aventuras, de descobertas, de revelações. São “documentos que sobrevivem ao arrasto”, à acumulação de água e pigmento, à absorção e à evaporação, onde se aceita o imprevisível e se desafia a gravidade, revelando-se assim, nas séries “Mata-borrão” e “Mergulho”, outras ilhas, feitas de tinta e não de terra, cercadas pelo céu e não por mar. O arrastamento que Rui Horta Pereira refere deve também ser entendido no seu sentido figurativo, como um processo que tarda, que leva tempo, como sucede nas peças tri-dimensionais da série “Poço”. Pela agregação sucessiva de tiras de papel, sobras, restos, finalizadas com um apontamento cromático, surgem, por composição, estruturas que reflectem sobre a formalização objectual do desenho. Podiam também ser ilhas que, na vertical ou na horizontal, nos proporcionam essa “gravidade poética” subjacente à exposição. Linhas, formas, cor, papel, a superfície de excelência, ainda que não exclusiva, para o desenho, e que em “Mergulho” nos convidam para outras interpretações e explorações do Desenho enquanto prática e técnica artísticas.
Inspiremos, contenhamos a respiração para mergulhar nas águas e por momentos a sensação de leveza apodera-se. Vindo à superfície, atravessamos um qualquer espaço ou lugar. As ilhas, essas, só até agora foram desconhecidas.
Ana Matos
Lisboa, Junho de 2018
(Ana Matos escreve de acordo com a antiga ortografia)